quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quando uma Declaração de Amor , Se Tornou Um Disco Fundamental



"Layla & Other Assorted Love Songs" é, ao mesmo tempo, um álbum fundamental e uma declaração de amor sem igual. Completamente apaixonado por Pattie Boyd, esposa de seu chapa de longa data George Harrison, Eric Clapton tentou, por muito tempo e em vão, lutar contra o que sentia, mas não conseguiu. Ele precisava se expressar, colocar para fora o que o seu coração dizia, e o resultado está neste disco.
Em 1970, após ter deixado a banda “Delaney & Bonnie” e iniciado sua carreira solo, CLAPTON partiu para um novo projeto: um álbum com essência mais roqueira, diferente e definitivo, até mesmo conceitual, por assim dizer. Cuidadoso, ERIC montou uma banda espetacular para gravar a obra prima. Recrutou Duane Allman (Allman Brothers Band), o mago do “slide guitar”, e dividiu com ele a responsabilidade pela maior parte do trabalho. No mais, completaram o line up os ótimos Jim Gordon (batera), Bob Whitlock (teclados) e Carl Radle (baixo), ex-companheiros de Clapton do Delaney.
A começar pela capa, que mostra um buquê de flores, e tendo como alicerce principal a canção que batiza o álbum, "Layla & Other Assorted Love Songs" é um trabalho extremamente emocional, doloroso em muitos momentos. Ouvindo o disco, percebemos o rock, o blues, o soul e aquela essência tipicamente estradeira, especialidade de Duane. Allman colocou um pouco de tempero no blues tecnicamente perfeito de CLAPTON, e a mescla disso foi a química mágica do disco.
Quando se propôs a gravar um disco com a banda, Clapton percebeu que havia algo novo em sua maneira de tocar e compor. Seu extraordinário senso melódico desabrochou nas gravações com a candura de uma estrela cadente em velocidade reduzida. O resultado musical disto deu origem a um disco que, para muitos críticos musicais de renome internacional, ainda hoje é o ápice musical de Clapton.



Falando em química, o disco também foi calcado em drogas nos momentos criativos. Eric o líder  vivia a heroína e o álcool intensamente na época. O tecladista Bobby Whitlock, ao comentar o assunto, fez um resumo sincero e matou a questão: ”As sessões de gravação tinham um menu psicotrópico: cocaína, heroína e Johnnie Walker. O resultado? Uma obra prima. Derek oscilava à beira do caos, mas nunca deixava de ser genial.”
“Layla and Other Assorted Love Songs” foi produzido por Tom Dowd, um mago que já havia trabalhado com o Cream e a Allman Brothers Band. Foi ele quem intermediou a vinda de Duane para o “Derek and The Dominoes”, certo de que algo brilhante surgiria do encontro dos dois monstros da guitarra.
Ao lembrar-se da incrível sincronia e entrosamento entre os guitarristas, o principal diferencial do disco, Dowd disse: “Deveria haver algum tipo de telepatia acontecendo entre eles, pois eu nunca havia visto inspiração espontânea acontecendo naquele nível. Um deles tocava uma nota e o outro reagia instantaneamente. Nunca um deles pediu ao outro para tocar de novo. Eram como se duas mãos coubessem em uma única luva.”.
Tom acertou em cheio... Ao permitir que as gravações fossem feitas em “jam takes” de várias horas e depois aperfeiçoadas, Dowd conseguiu extrair o máximo da criatividade dos caras quando estavam doidos e aproveitou a excelência musical deles quando estavam sóbrios. Ao ouvir o disco pronto, Tom ficou estupefato com o resultado e disse que aquele era o álbum mais sensacional dos últimos 10 anos.

Incrivelmente o álbum teve dificuldades em tornar-se um best seller, só chegando a um bom posicionamento nas paradas 18 meses após o lançamento.  Uma maior exposição do disco só aconteceu com a vinculação do álbum à Eric e com a execução de “Bell Bottom Blues” nas emissoras como música de trabalho.
Falando especificamente de “Layla”,  Sua letra é um conto de amor e obsessão dolorido e amargurado, o relato de uma paixão arrebatadora por alguém inicialmente inacessível.

O início sutil com “I Looked Away”  já dava as pistas de que Clapton estava profundamente envolvido com as sonoridades de um emergente “country rock”, principalmente pela maneira como fez seus overdubs de guitarra, todos pontuados com diferentes pegadas. A atmosfera de reverência que permeia lindamente “Bell Bottom Blues”  é pontuada por pequenas intervenções de Clapton, que estabeleceu um contraponto ao choroso lamento com ele empregou na hora de cantar. A delicadeza ampla, geral e irrestrita com que ele usa as possibilidades sonoras de seus captadores parece “patrocinar” a canção.


O balanço irresistível de “Keep on Growing”, no fundo, ainda hoje faz com que nossa santa capacidade de sacudir esqueleto permaneça intacta . Os inúmeros e faiscantes solos de Clapton parecem centenas de flechas incandescentes cruzando a escuridão do deserto.
Mas é a partir da faixa seguinte, a estupenda versão que Clapton fez de “Nobody Knows You When You’re Down and Out” de Jimmy Cox, que as coisas adquirem outro patamar, pois aí surge  Duane Allman, então um dos guitarristas dos Allman Brothers. 
Voltando ao disco e à faixa em questão, enquanto a voz de Clapton soa sussurrada mesmo na hora em que se mostra mais eloqüente, ambas as guitarras vão se entrelaçando como amantes que acabaram de se conhecer, descobrindo formatos, sabores e odores, com o estilo aparentemente mais “endurecido” de Duane se casando perfeitamente com a sinuosidade de Clapton. Os solos de Duane e, principalmente, a maneira como ele colocou seus slides nas canções acabou causando um impacto profundo na própria maneira de Clapton tocar no futuro.
Há um clima quase “caribenho ensolarado” em “I Am Yours” propiciado inicialmente pelas congas suaves tocadas pelo baixista Carl Radle, e complementado pelo slide delicado de Duane. Isto antecede ao vigor inquestionável de “Anyday”, que soa como se o Cream e os Allman Brothers fosse “bandas irmãs”, tamanha é a simbiose mágica presente nos duelos de licks entre Clapton e Duane.
Sentindo-se satisfeito e esclarecido em relação ao seu “irmão de alma”, Clapton fez de “Key to the Highway”, de Willie Broonzy, o veículo perfeito para se entrosar em definitivo com Duane e o restante da banda. Gravada de brincadeira quando o grupo ouviu a versão que Sam the Sham & The Pharaos estava fazendo na sala ao lado no estúdio – a improvisação foi tal que a gravação começa com um “fade in”  -, esta versão ainda carrega a alegria genuína que Clapton tanto buscava para a sua música e sua vida. Uma felicidade que se espalha na forma de espetaculares solos de guitarra da dupla no country rock estradeiro de “Tell the Truth” na levada entusiasmada de “Why Does Love Got to Be So Sad?” no extraordinário acabamento melódico dado ao genial blues “Have You Ever Loved a Woman” , de Billy Myles, a “It’s Too Late” de Chuck Willis, e, principalmente, na inacreditável versão para a linda “Little Wings”, de Jimi Hendrix . Isto sem contar a tocante delicadeza presente em “Thorn Tree in the Garden”, gravada ao vivo no estúdio.
E então há “Layla”. Poucas canções são tão marcantes como ela.  É melhor que você simplesmente a ouça e se emocione .
Já está mais que na hora desta autêntica obra-prima ser conhecida não apenas por quem leva o estudo de guitarra a sério, mas principalmente por aqueles que sabem que fazer e ouvir música é muito mais um exercício para a alma do que para os dedos.Disco para toda a vida.







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