sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

The Rolling Stones - Love You Live - 1977



Um disco ao vivo geralmente é uma das melhores formas de conhecermos uma banda, afinal, é no palco que comprovamos se tudo o que aparece no álbum de estúdio é real ou não. Mas na maioria dos casos os álbuns ao vivo são realmente ao vivo e não falcatruas cheias de overdubs espalhados  por todos os lados.
Uma das grandes bandas ao vivo sempre foi o Rolling Stones. Seus shows são um espetáculo à parte dentro do mundo da música, principalmente pela performance teatral de Mick Jagger,e da execução de clássicos do porte de "(I Can't Get No) Satisfaction", "Start Me Up" e "Brown Sugar", para citar apenas alguns. O primeiro disco do grupo que eu tive o prazer de ouvir foi exatamente um ao vivo, o extremamente criticado Love You Live.
Lançado em 23 de setembro de 1977, esse vinil duplo concentra-se principalmente em uma apresentação do grupo em Paris, durante a turnê de divulgação do LP Black and Blue (1976). Essa turnê marcou a estreia do guitarrista Ron Wood nos palcos stonianos, e foi criticada principalmente por não ter conseguido superar em termos de produção, a turnê do álbum It's Only Rock'n'Roll, onde o palco para Mick Jagger e cia. era uma flor de lótus móvel.
Quando de seu lançamento, Love You Live foi bem recebido, chegando na terceira posição nas paradas britânicas; mas com o passar dos anos, a imprensa e os fãs começaram a torcer o nariz para o vinil, alegando que o álbum não registra toda a potência sonora que eram os Stones em cima de um palco, que Keith Richards (guitarra, vocais) estava no auge do uso de heroína, não tocando nada, e que o resto do grupo - a saber, Charlie Watts (bateria), Bill Wyman (baixo), Billy Preston (teclados), Ian Stewart (teclados) e Ollie Brown (percussão), além do já citado Wood - eram coadjuvantes de um cenário decadente e sem sal.Mas eis que dentro de Love You Live, o lado C continha canções de uma apresentação na boate El Mocambo, na cidade de Toronto, Canadá, onde o grupo se apresentou para uma seleta plateia de 300 pessoas, dentre as quais a primeira dama do país, que na mesma noite foi flagrada apenas de roupão pelos corredores onde o senhor Lábios de Borracha dormia. Anos depois, seria revelado no livro Memórias de um Rolling Stone que ela havia "jogado cartas" com Wood. 
Este é um discaço, talvez o melhor ao vivo da carreira dos Stones, sem a histeria de Got Live If You Want It! (1966), o gigantismo de Get-Yer-Ya-Ya's Out! (1970) ou a prepotência de Still Life (1981). O lado A é uma prova definitiva disso. Desde o samba introdutório que leva ao tema de "Fanfare for the Common Man", até o encerramento com "Star Star", os Stones derramam suor e feeling em interpretações grudentas, sujas e puramente rock'n'roll para canções não tão clássicas do grupo.
Tirando o início arrastado, que curiosamente é com a clássica "Honky Tonk Women", à medida que o show avança parece que os músicos vão se motivando; então temos Richards soltando os dedos em "If You Can't Rock Me", com destaque para o trabalho percussivo de Ollie e para as investidas rasgadas de Richards; Stewart comandando o ritmo da paulada "Get Off of My Cloud", com uma belíssima sessão de duelo vocal entre Preston e Jagger, ambos entoando o nome da canção, e que assim como "If You Can't Rock Me", foi registrada no Earls Court, em Londres; a maravilhosa "Happy", com show de slide de Wood, além de Richards nos vocais e na guitarra; a sensacional e perfeita "Hot Stuff", com seu ritmo "embalos de sábado à noite" que coloca todos para dançar. O encerramento com "Star Star" é puro e simples rock 'n' roll, e não adianta, até o mais leigo no assunto sabe que o que o Stones faz de melhor é simplesmente tocar rock 'n' roll.
O lado B é bem mais leve,  começando pela balada "Tumbling Dice", e voltando aos embalos disco/funk, com uma arrepiante "Fingerprint File", registrada no Maple Leafs de Toronto,  onde Jagger abusa de efeitos nos vocais. Efeitos também estão presentes nas guitarras de Richards e Wood.
"You Gotta Move" leva o grupo de volta ao blues, com as vocalizações cantando a canção como se fossem homens negros nos campos de algodão, acompanhados apenas pelas estridentes notas de Richards e Wood, além da marcação de Watts, transformando-se em um safado blues branco durante o solo de guitarra, em um andamento sensual com mais um dueto vocal de Jagger e Preston. O lado B encerra-se com a emocionante "You Can't Always Get What You Want", onde quem acha que Richards não está tocando nada deve ouvir o solo que ele faz nessa canção. Destaque também para Jagger comandando a plateia que está nas mãos do vocalista como sempre.

O lado C, como citado, é dedicado à apresentação no El Mocambo, nos mostrando quatro grandes covers, começando com "Mannish Boy", onde o início já nos mostra a intenção do grupo, com Jagger soltando os vocais à la Muddy Waters nesse blues sensacional, com direito a harmônica, riffs sujos das guitarras de Richards e Wood, gritos de Preston ao fundo e, principalmente, com Jagger cantando muito, transpirando blues em cada palavra.
"Crackin' Up", a faixa seguinte, já possui uma levada mais reggae, onde o destaque vai para o baixo de Wyman e para as vocalizações que acompanham Jagger, além da apresentação de cada membro do grupo, enquanto "Little Red Rooster" retorna aos old blues com mais um show de Jagger. "Around and Around", de Chuck Berry, encerra esta parte do LP com um rock dançante e com um ótimo solo de piano de Stewart.
 lado D volta para a turnê de Black and Blue, onde estão os grandes clássicos: "It's Only Rock 'n' Roll (But I Like It)", gravada no Maple Leaf Gardens, seguida por "Brown Sugar", além de "Jumpin' Jack Flash" e "Sympathy for the Devil", essa última registrada no Inglewood Forum, em Los Angeles. As quatro são interpretações fiéis ao que os fãs do grupo esperam, com garra, pique e as levadas de Watts para Richards e Wood brincarem com a guitarra enquanto Jagger solta sua voz entoando letras que os fãs conhecem do início ao fim.
Apesar de existirem overdubs nas guitarras e no baixo, a maior parte do que está nos sulcos de Love You Live reflete o que aconteceu nos palcos, ou seja, os Stones tocando aquilo que mais gostam. Se não é o melhor disco ao vivo da história, se não traz uma maravilha de mixagem, se não tem "Satisfaction", não importa, é um ótimo disco e está na lista dos que mais ouvi , e que entre todos as pessoas que  gostam dos Stones, deveriam ter em suas coleções.

 

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